sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Dá-me um pouco de chão...



Dá-me um pouco de chão
Deixa que os meus pés pousem no teu espaço
Já não consigo ver o caminho
E o horizonte avisto-o tão turvo
Talvez o Universo ainda tenha algo para me dar
Mas o meu caminho está cada vez mais denso
A vegetação não me ajuda a alcançar os sonhos
Preciso de algo mais
A fé está cada dia mais frágil
E o teu sorriso tem sido o meu guia
Ainda que seja apenas na minha memória
Acho que é por isso que a memória existe
Para guardar o que mais tarde nos faz viver,ou morrer...
Deixa-me pousar no teu chão
Estou cansada
Nem que seja por breves momentos
Necessito pousar as armas
Sarar as feridas
Relaxar os músculos,dormir um pouco
Recuperar o fôlego...
Para poder seguir caminho
Olho o céu por entre a vegetação
E lá estás tu, a sorrir para mim
Alucinação desta minha mente perturbada
Cansada,angustiada,perdida,sozinha...
Os meus olhos não se mantêm abertos
Há quem mos queira arrancar
Os gafanhotos são como abutres
A querer devorar-me
A luz do teu sorriso reflecte todo o meu ser
E eles vivem disso
Parasitas!
Deixa-me pousar no teu chão
Onde não há pranto, nem línguas afiadas
Onde tudo é à altura do sentimento de bem querer
Encontra-me por favor
Eu já não consigo,estou estagnada neste lugar
Orienta-te pelo teu coração
E encontrar-me-ás
Leva-me nas tuas asas para perto de ti
Arranca-me deste inferno em que vivo
E deixa-me pousar no teu chão
Até que eu restabeleça as forças
E possa continuar sozinha

 R.M.Cruz 

(Nem toda a solidão é isenta de pessoas,muitas vezes a solidão é uma multidão de gente)



sexta-feira, 19 de abril de 2019

Pássaro de asas negras



Pássaro de asas negras, como negra é a tua fome de liberdade
Voas sobre o próprio ninho
Com receio de cair da árvore onde cresceste
Cai a noite devagarinho sobre os céus cinzentos da tua incerteza
E tu encolhes as asas e sonhas com as estrelas
Sentes os lobos à espreita, com vontade de te devorar
Sentes o cheiro do bafo, nos dentes arreganhados
O teu sangue pulsa silencioso nas veias da vida
E os lobos esperam....
Tomara seja dia depressa,para que
voes na luz
E que o sonho não morra na calada da noite
E o dia vem, e mais uma vez voas por cima do ninho
O ninho continua intacto,os lobos não o descobriram
E tu sossegas a alma, e voas mais um bocadinho
Afastas-te um pouco, e não podes ir mais
Há correntes invisíveis que te prendem as asas
Num impulso tentas fugir,mas as  correntes arrancam-te a pele
Mais uma ferida, mais uma asa partida,mais um regresso ao ninho
E os passarinhos cresceram
Não se encontram no ninho, já dão os seus voos sozinhos
E tu aconchegas-te em ti, debruças-te sobre a dor
Observas o ninho vazio...e suspiras pela tua liberdade
Sonhas onde poderias ir se quebrasses as correntes
Quais as portas a abrir, e outras a fechar
Quais os sonhos a perseguir e quais  a abandonar
Solta-se um gemido,é a alma que chora
Porque sabe que sofres, e sabe que um voo em falso
Pode ser a morte do pássaro
Que fazer num ninho vazio, onde o amor existe
 Mas a ausência insípida não regenera as flores que murcharam
E o pássaro sofre, e o tempo corre e a vida foge e a mocidade ausenta-se
Mais um impulso,mais uma força
Mais um voo que não aconteceu
Mais uma ferida,mais um sonho,mais um ano,menos vida
Mais uma noite,mais um medo,mais uma lágrima,mais um segredo
Mais uma asa quebrada,mais uma noite gemida,mais um sonho que fugiu
E os dias passam e noite chega, e a alma do pássaro,está exausta,inquieta
Só o pássaro não vê, que as correntes que o prendem podem ser quebradas
Pela força do seu interior
Pelo desejo de liberdade
Pela loucura insana de viver,nem que seja uma ultima vez
E num ímpeto quase inaudível...ele cerra os punhos,levanta a cabeça
Enfrenta os lobos e voa por cima das suas carcaças
E quando percebe,está longe do ninho, e mais perto dos filhos
Longe dos lobos e mais perto de ser feliz
Longe das correntes e mais perto da liberdade
E a alma flui sobre as penas...
Já não sofre, já não chora,já não se magoa
E os que amam o pássaro, estão ali...
Sempre estiveram
Só o pássaro não via

(Dedicado a um anjo amigo P. R.)
R.M.Cruz













segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Vou-me embora!


                 Vou-me embora!
Vou-me embora,não porque me dizes para ir,mas porque não me pedes para ficar
E nesta ida que fico, e neste fico que vou,fogem-me os sentidos daquilo que sou e do que fui
A vida que tenho, e o que fiz dela
Talvez porque nunca estive atenta a mim
Foquei-me em ti
A insipidez dos teus lábios denunciam a tua ausência em mim
As noites ditas de amor, são só pela metade...a minha!
Os teus olhos estão distantes,baços,tristes, sem vigor
Entras e sais de mim como uma máquina que faz o seu trabalho e se desliga quando acaba a energia
Assim te sinto
Ausente de mim
Ausente de nós
Procuro vêr-te por entre as frestas  dos teus olhos, mas não estás lá
Tento sentir-te nas pancadas secas do teu coração, mas é como procurar-te no deserto da tua alma
Onde estás quando me tens?
Em que pensas quando me beijas?
Quem vês quando me olhas?
O que sentes quando te toco?
Não consigo imaginar que caminhos percorres...largaste-me a mão e já não vou contigo
Largaste-me o corpo e já não te sinto
Largaste-me a boca e já não me ouves
largaste-me o peito e já não me queres
Vou-me embora...
Enquanto consigo ver a porta
Vou-me embora...
Enquanto a minha loucura não me prende à tua ausência
Vou-me embora...
Enquanto ainda me reconheço como mulher
Vou-me embora...
 Enquanto o meu coração não se estilhaça contra as paredes da tua casa
Vou-me embora...
Enquanto a não petrifico na tua cama
Vou-me embora...
Enquanto tenho asas para voar, e a minha mente ainda lúcida me diz que chegou a hora
Vou-me embora enquanto a minha loucura não me obriga a ficar
Vou-me embora!

R.M.Cruz


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Nem sei se alguma vez se tem alguém...


Tive-te,mas não sei se te tive
Nem sei se alguma vez se tem alguém
Mas eu acho que te tive
Talvez por pensar que te tive achei-me no direito de deixar de te ter
E depois de deixar de te ter?
Não entendo por onde andam os meus sentimentos
Baralhei-os, como se baralha um baralho de cartas
Já não sei onde está o que me dava sossego, ou desassossego
Não pensei como era o tempo em que ia deixar de te ter                                                                 
E agora?                                                                                                             (foto,R.M.Cruz )
Se já te tive e não tenho
O que faço aos abraços que não são os teus?
E aos beijos que não tem o teu sabor?
E que faço com as lembranças?
E os amigos que eram nossos? De quem são agora?
E os momentos que tivemos,quem os tem?
Havia um vazio quando te tinha,mas agora há outro vazio ainda maior
Talvez pelo medo de não te voltar a ter
E se tiver,que faço com o outro vazio?
Há sempre um precipício em ter-te e em não te ter
Juro que não sei em qual deles me estatelar
Ao deixar de te ter, programei o meu voo rumo a um céu libertador
O que eu não sabia era que voei rés ao inferno, chamusquei as minhas asas
E a dor do fogo,deu-me uma vontade louca de voltar a ter-te
Mas a memória lembrou-me que contigo queimei-me mais ainda
Estou cansado,da minha inquietude, da tua lembrança em mim
Estou exausto de voar em circulo
Necessito urgentemente de romper a barreira da memória de te ter, e voar para dentro de mim
Sei que queimarei as duas asas, mas renascerei das próprias cinzas
Dentro de mim encontrarei os caminhos que me levarão para um lugar neutro
Onde eu me possa encontrar,para me ter!
Enquanto te tive, também me tiveste
Vou regenerar-me
A resiliência tem de acontecer
Para que eu volte a renascer
Havemos de nos reencontrar em outros voos
Onde os destinos já não se cruzam
Verei ao longe o teu sorriso, e ficarei feliz pela luz que cobre o céu
E tu verás o meu olhar,e saberás que te quero bem

(Inspirado num jovem amigo)

R.M.Cruz