domingo, 7 de agosto de 2016

Os pés de minha Mãe...


Hoje ao ler uma crónica de António Lobo Antunes os meus olhos voltaram-se para dentro e o meu coração começou a bater tanto que quase morria sufocado na própria batida.A forma como ele fala da Mãe é algo tão sentido que parece que todas as Mães são de facto iguais.
 A minha memória levou-me ao passado,um passado tão intenso que parece que foi ontem.
Cheguei a sentir a sua presença e ocorreu-me um dia, um dia em que tínhamos que percorrer aquele caminho térreo pelo meio do monte até chegarmos à casa da tia Tina, irmã da minha Mãe,mulher forte, de lavouras e gados, que tantas vezes nos (matou) a fome,em troco de trabalhos pesados,era uma partilha dizia ela . Minha Mãe era franzina, magrinha, a fome era a sua maior aliada. Eu de pés descalços vestidinho de chita, trancinhas  no cabelo e os lacinhos eram restos de chita sobradas do vestido.(tudo feito pela mão de minha Mãe)
Eu chorava, porque o caminho já era longo, e os pézinhos encrostados pela falta dos sapatos (talvez por isso eu ainda hoje adoro andar descalça.) E você Mãe,compadecia-se da criancinha que pegava a barra da sua saia,olhava para mim,pegava-me no colo e dizia: Vou levar-te um pouquinho,tu estás pesadinha e a Mãe não pode contigo,eu erguia os bracitos e apontava uma árvore,só até aquela árvore.Está bem,dizia-me ela.Ainda hoje sinto as batidas dos seus pés descalços na terra seca,eu deitava a cabecinha no seu ombro e sentia todos os ossos do  seu corpo, como se eu também fizesse parte dele,fechava os olhos para sentir melhor,  e não ver a árvore a aproximar-se,ouvia os passos firmes e contava o tempo de cada passo.Depois abria os olhos e fingia que não tinha visto a árvore a ficar para trás,o seu colo era tão bom. os momentos foram tão marcantes, que ainda hoje sinto o movimento dos seus ossos no meu ouvido.
Lembro-me que mal o sol se punha tínhamos que fazer o caminho de volta para casa,só com a luz da lua a iluminar os nossos passos.Eu tinha tanto medo, os sons estranhos das aves nocturnas, as sombras das árvores pareciam fantasmas gigantes a querer engolir-nos e a  Mãe cantava,para distrair os nossos medos.
O meu irmão era mais pequenino, mas era mais forte do que eu, és a minha joia preciosa,dizia-lhe ela. E
eu Mãe ?(enciumada) Tu és a minha rosa celeste, eu não sabia o que significava,mas ela dizia-o com tanto carinho e doçura que me enchia  de alegria por dentro.(adoro rosas)
A Mãe era corajosa, ela era o homem e a mulher da casa.Nessas alturas eu olhava a lua e pensava, e perguntava, se os pais são para sempre,porque é que o pai morreu? Ao que ela respondia.Ele não morreu,está ali,vês aquela estrela mais brilhante? é o pai a iluminar o nosso caminho.Eu gritava:Pai, Pai,estás a ouvir-me? dá mais um bocadinho de luz, para a Mãe ver o caminho.E a estrela brilhava mais.Eu acreditava que o Pai me ouvia.Durante muitos anos estive zangada com ele,por ele ter ido embora e nos deixar tão pequeninos.Eu estava zangada por ver a minha Mãe trabalhar tanto,por ser escrava de muitas pessoas que se apoderavam da sua triste condição e não lhe pagavam o merecido.
Hoje já não estou zangada com o Pai,tenho a certeza que ele pediu perdão à Mãe,pois duas ou três  noites antes dela partir,disse-me:O teu Pai veio visitar-me, estava lindo com um fato preto camisa branca,pediu-me perdão e disse que esperava por mim.(Eu soube naquele momento que a minha Mãe partiria em breve, e partiu.
Não consigo imaginar os meus filhos sem mim,mas de uma coisa eu tenho certeza, quando chegar a minha hora,eles os dois vêm ao meu encontro.

R.M.Cruz