sexta-feira, 19 de abril de 2019

Pássaro de asas negras



Pássaro de asas negras, como negra é a tua fome de liberdade
Voas sobre o próprio ninho
Com receio de cair da árvore onde cresceste
Cai a noite devagarinho sobre os céus cinzentos da tua incerteza
E tu encolhes as asas e sonhas com as estrelas
Sentes os lobos à espreita, com vontade de te devorar
Sentes o cheiro do bafo, nos dentes arreganhados
O teu sangue pulsa silencioso nas veias da vida
E os lobos esperam....
Tomara seja dia depressa,para que
voes na luz
E que o sonho não morra na calada da noite
E o dia vem, e mais uma vez voas por cima do ninho
O ninho continua intacto,os lobos não o descobriram
E tu sossegas a alma, e voas mais um bocadinho
Afastas-te um pouco, e não podes ir mais
Há correntes invisíveis que te prendem as asas
Num impulso tentas fugir,mas as  correntes arrancam-te a pele
Mais uma ferida, mais uma asa partida,mais um regresso ao ninho
E os passarinhos cresceram
Não se encontram no ninho, já dão os seus voos sozinhos
E tu aconchegas-te em ti, debruças-te sobre a dor
Observas o ninho vazio...e suspiras pela tua liberdade
Sonhas onde poderias ir se quebrasses as correntes
Quais as portas a abrir, e outras a fechar
Quais os sonhos a perseguir e quais  a abandonar
Solta-se um gemido,é a alma que chora
Porque sabe que sofres, e sabe que um voo em falso
Pode ser a morte do pássaro
Que fazer num ninho vazio, onde o amor existe
 Mas a ausência insípida não regenera as flores que murcharam
E o pássaro sofre, e o tempo corre e a vida foge e a mocidade ausenta-se
Mais um impulso,mais uma força
Mais um voo que não aconteceu
Mais uma ferida,mais um sonho,mais um ano,menos vida
Mais uma noite,mais um medo,mais uma lágrima,mais um segredo
Mais uma asa quebrada,mais uma noite gemida,mais um sonho que fugiu
E os dias passam e noite chega, e a alma do pássaro,está exausta,inquieta
Só o pássaro não vê, que as correntes que o prendem podem ser quebradas
Pela força do seu interior
Pelo desejo de liberdade
Pela loucura insana de viver,nem que seja uma ultima vez
E num ímpeto quase inaudível...ele cerra os punhos,levanta a cabeça
Enfrenta os lobos e voa por cima das suas carcaças
E quando percebe,está longe do ninho, e mais perto dos filhos
Longe dos lobos e mais perto de ser feliz
Longe das correntes e mais perto da liberdade
E a alma flui sobre as penas...
Já não sofre, já não chora,já não se magoa
E os que amam o pássaro, estão ali...
Sempre estiveram
Só o pássaro não via

(Dedicado a um anjo amigo P. R.)
R.M.Cruz