Os meus olhos viram com olhos de ver...
Entrei num café,não, ia para entrar...mas não entrei, quando os meus olhos se depararam com um casal num canto da esplanada, o seu gesto faz-me mudar de ideias, sentei-me mesmo ali na esplanada, ia apenas para tomar um café, mas acabei por tomar uma lição.
Um casal... ela sentada numa cadeira de rodas, completamente impossibilitada de grandes gestos....a sua aparência era de uma mulher que foi linda fisicamente,mas que a fatalidade a lançou naquele estado,rosto contorcido,mãos com gestos involuntários, cabelos curtos limpos e sedosos,unhas tratadas.
Ele, um homem jovem (35 a 40 anos, talvez da mesma idade dela) fisicamente atlético, olhar firme mas terno (para ela) nas mãos segurava o guardanapo com que limpava de vez em quando a boca dela, sem nojo nem vergonha nem medo de ser observado, dava-lhe um beijo, e ela sorria, boca torta e desajeitada, fruto da fatalidade.
Ali na esplanada do bar, aquele homem apenas a via a ela, com cuidado ajudava-a a levar a chávena á boca, com a maior naturalidade do mundo ( tipo hoje tu amanhã eu).....ele lia o jornal, ela um livro , que ele ajudava a virar a página (assim como na vida).
Não viam ninguém apenas eles, paravam de ler e comentavam o que liam, ela sempre a sorrir, alheada da sua condição física, ele a olhar para ela, de vez em quando acariciava-lhe o rosto, limpava-lhe a baba, com muito cuidado, e ela sorria ao seu toque.
Fiquei ali, bastante tempo a observar...sem ser observada, e perguntava-me: (o que terá acontecido a este casal? será que foi um acidente em que ele era o culpado,daí toda aquela dedicação....ou será que por motivos óbvios ela se tentou suicidar e os remorsos dele transformaram-se em cuidados? ou ela teve um AVC por tanto setress em que só ela trabalhava , para os dois, ou mais....pois naquela idade provavelmente teriam filhos....ou....ou....( mas porque é que eu teimava em justificar uma situação em que só ele fosse o culpado?) talvez eu quisesse encontrar um álibi para uma forma de amor que é raro nos dias de hoje....
Enfim deixei de me preocupar quais foram os factos que a colocaram numa cadeira de rodas, completamente á mercê da bondade alheia, neste caso da bondade dele....o mais importante de tudo, é que fossem quais fossem os motivos, ele estava ali...firme com ela, junto dela, cuidando dela, a vida era ali, naquele momento, o que passou já não podia ser mudado, mas o que viria a seguir podia ser suavizado...
Pensei aquele homem poderia ter sido um canalha(ou não) mas naquele momento estava ali, só para ela, com ela, alheado ao mundo que os rodeava, alheado a tudo, com o seu amor e carinho para ela, e sentia-se felicidade....leveza...aceitação....AMOR!
Um pequeno pormenor, para mim, mas para eles era VIDA!
Assim nesta reflexão, mais uma vez agradeci aos meus olhos por se abrirem para o mundo de uma forma mais clara, mais lúcida, mais reflectiva, e eu que tinha ido para tomar um café rápido, acabei por me esquecer do tempo.....que tempo? o tempo é a vida em movimento! o tempo são estes grandes ensinamentos, o tempo é a vida que o dá!
R.M.Cruz
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